Minha querida Madrinha:
Hoje, escrevo-lhe com o meu coração negro e com as lágrimas que choro nesta amargura da guerra.
Saímos pela manhã, para fazermos reconhecimento da área a norte do aquartelamento. Subimos no unimog, apertando a metralhadora que nos podia salvar a vida. As rodas pisavam os trilhos cobertos de capim e eu com soldados do meu Batalhão rezávamos em silêncio, pedindo proteção à Virgem.
Inesperadamente, ouvimos o estrondo provocado pelo rebentamento de uma mina.
Cada um por si, saltámos do veículo e escondemo-nos no meio do mato.
Permanecemos camuflados na vegetação durante alguns minutos a aguardar o terror seguinte.
Preparávamo-nos para a retirada quando surgiram tiros vindos de várias direções.
Vi as balas caírem a meus pés e o António, o Cabo maqueiro, foi atingido numa perna, por vários projéteis.
Corremos para ele e com os cintos que seguravam as munições, fizemos-lhe um torniquete na esperança de lhe estancarmos a hemorrogia.
Tudo em vão.
Com toda a raiva que invadiu nossa alma, ripostamos aos tiros, naquele palco de morte.
Os terroristas fugiram e nossa preocupação foi trazer o António até à caserna.
O médico e o enfermeiro tudo fizeram para o salvar, mas o sangue que ele tinha perdido secaram-lhe as veias. Morreu nos meus braços, sussurrando:
-Companheiro, diz à minha esposa e meu filho que os amo muito e os levo para a eternidade. Diz-lhe, também, que se orgulhem de mim, pois morri pela Pátria. Um dia, esta maldita guerra vai acabar...e o nó do fio que o prendia à vida, desfez-se...
Sei que na dor agonizante, outras palavras ficaram sepultadas, mas também sei que este Herói, como tantos outros, ficará para a História, se é que um dia, vai ser contada por alguém!
Aguardo, com ansiedade sua resposta a este meu aerograma.
São suas missivas que adoçam alguns minutos da minha triste vida com sua leitura e inundam de fé esta minha farda.
Meu coração vive na escuridão, pois nunca sei o dia de amanhã.
As emboscadas espreitam em todo o terreno.
Hoje, foi o António, amanhã, serei eu.
Peça, minha querida Madrinha a Deus por mim e se puder, peça também para que mais nenhuma vida seja ceifada e todos possamos acabar nossa missão com saúde.
Já chega de mortes.
Já chega de estropiações físicas e psicológicas.
O papel está a acabar.
Termino, enviando-lhe o meu respeitoso abraço e agradecendo-lhe pela Madrinha Coragem que é.
(carta guardada há longos anos, no cofre das minhas memórias)
Celeste Almeida: Autora do Texto